quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Roma


D.M.Bontorin                
para L. Felisbino            

Lembro os dias e anos que passaram,
sem que meus olhos vislumbrassem
nem a ínfima parte de ti, minha adorada.

Sem que meus pés, calejados
da busca do inicio dos tempos
sentissem a poeira da esperança
de suas ruas proclamadas, exaltadas.

Quantos morreram pelo caminho,
quantos se perderam, ficaram para trás,
quantos olham meus ombros com a cobiça
de ali depositarem seus anseios e sonhos,
suas mensagens para a terra que nunca alcançarão.

Todos os caminhos levam até a  ti,
mas nem todos nós chegaremos lá.
No final, não é tocar suas paredes
não é sentir o seu cheiro, olhar suas fontes.
O importante é a busca.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Animais


                                                                                                   D.M.Bontorin

      A Platéia observa ansiosa. O Animal se dirige ao meio do picadeiro. Todos que o observam também são animais, doces seres que esperam pacientemente na fila do abatedouro.
     As luzes se acendem. O Animal está com medo, nunca apresentou seu número para tamanha Platéia. Um fio de suor percorre suas costas. Ele respira fundo, tentando encher os pulmões com mais do que apenas ar, com coragem. Sua voz preenche o vazio e rapidamente é perseguida por risos abafados, que crescem gradativamente até transforma-se em uma gargalhada estridente. Ele timidamente olha para a Platéia, ela ri de seu modo de falar. O Animal permanece estático. Seu rosto queima como brasa tornando-se de um vermelho vivo, que a apenas a vergonha pode trazer a tona. Revolta-se, não quer mais permanecer no picadeiro. Olha para as arquibancadas com a esperança de um naufrago, a olhar para o horizonte. Lágrimas, resultantes do delírio causado por uma boa piada, escorrem dos olhos da Platéia, considera o modo como ele se movimenta hilariante.
     Após o que lhe pareceu uma eternidade, o mestre do picadeiro exige aplausos da Platéia e pede que o Animal se retire dando lugar ao próximo. Ele senta na arquibancada. Seu coração pulsa desesperado em seu peito. Seu corpo age como se estivesse exposto ao frio mais cruel, sem proteção alguma. E mesmo em tamanha situação de desconforto, ele começa a ser absorvido pela Platéia, esquecido.
      A apresentação do Outro começa. O Animal gargalha. Ele ri das roupas do Outro, de seu modo de falar, de andar, de mover os braços. Em meio à loucura provocada pelo riso os pensamentos passam desconexos por sua consciência, desaparecendo tão rápido quanto surgiram.
     O Outro abre espaço no picadeiro para que o Terceiro se apresente. No tempo decorrido entre a saída deste e a entrada daquele, um pensamento começa a martelar incessantemente na cabeça do Animal até conseguir chamar sua atenção.
     “Nós somos iguais”
     Ele olha para a Platéia na arquibancada, da cabeça mais longe até aquelas que estão dispostas ao seu lado. Ele vê sua imagem refletida em cada uma delas. O mesmo constrangimento, o mesmo medo de humilhação, a mesma necessidade de humilhar. O riso que antes existia em seus lábios foge rapidamente, deixando para traz uma expressão de horror. Ele empurra a Platéia e corre para longe do picadeiro, nunca mais voltará aquele lugar. Pois, humilhar o diferente é divertido, mas humilhar o igual é insano.

terça-feira, 26 de julho de 2011

Retrato da Influência


"A sua influência é, realmente, tão má como diz Básilio, Lorde Henry?"
"Não existe influência boa, Sr. Gray. Toda influência é imoral...imoral do ponto de vista científico"
"Porquê?"
"Porque influenciar uma pessoa é transmitir-lhe a nossa própria alma. Ela já não pensa com seus pensamentos naturais, nem arde com as paixões naturais. As suas virtudes não são reais para ela. Os seus pecados, se é que existem pecados, são emprestados. Ela se converte em eco de uma música alheia, em ator de um papel que não foi escrito para ela. A finalidade da vida é o desenvolvimento próprio. Realizar completamente a própria natureza, é o que devemos buscar. O mal é que, hoje em dia, as pessoas têm medo de si mesmas. Esqueceram-se do mais elevado de todos os deveres, o dever para consigo mesmas. São caritativas, naturalmente. Alimentam o faminto e vestem o andrajoso. Deixam, contudo, que as suas almas morram de fome e andem nuas. O valor nos abandonou. Talvez nunca o tenhamos tido, realmente. O temor da sociedade, que é a base da moral; o temor de Deus, que é o segredo da religião...são os princípios que nos regem. E, no entanto..."

Oscar Wilde
O Retrato de Dorian Gray

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Breve Despedida


Querido companheiro que gasta seu tempo ao ler essa carta,

Hoje tive um dia agradável, acordei, fui à escola, almocei, estudei, ri, brinquei e fui fazer minhas tarefas. Porém agora tomo consciência de que irei morrer devido ter adquirido uma doença mortalmente comum, após minha minha irmã comer uma pipoca que caiu. Exatamente isso que você acaba de ler. Uma pipoca, tirada do chão da sala. A doença da qual eu fui acometida: civilidade.
Adeus,
Aquela que jaz enterrada no comum.