sábado, 11 de setembro de 2010

A morte do Tio Zé

                                                   
     Andava de forma arrastada, como se cada passo valesse pelo levantamento de uma montanha, tinha a cabeça abaixada e no rosto não traia expressão alguma. Esbarrava nas pessoas ao redor, sem nem dignar-se a oferecer um pedido de desculpa, continuava a caminhar. A mente perdida em divagações.
     - Será que devo levar flores ou seria melhor comprar velas ou ainda lenços de papel? - Perguntava-se  em um monólogo silencioso.
     Conforme se aproximava do cemitério Felipe encurvava ainda mais o corpo e arrastava os pés de forma mais sonora. Agia dessa forma pois pensava ser apropriado à ocasião. Seu tio havia morrido. Mas na verdade, em seu íntimo, não entendia o motivo para cultuar a morte.
      Lembrava-se do tio sentado em sua cadeira com a mão pendida balançando, como se fosse instituída de vida própria. Muitas vezes pegara-se pensando se ele estaria vivo realmente.
      Nunca trocara mais que uma ou duas palavras com o tio. Pedia a benção. Sua família era cristã e mesmo que ele não fosse não havia motivos para discutir algo que eles nunca aceitariam. Então, pedia a benção e o tio respondia “Deus que te abençoe” e pronto, o tio era esquecido, tornava-se parte da mobília. Nunca trocara um abraço, um sorriso, uma palavra de carinho afeto ou intimidade com ele.
     Felipe nem mesmo sabia coisas básicas sobre seu tio. Não sabia quantos anos tinha, nem se cursara a escola ou se preferia sorvete de chocolate ao de morango. Até mesmo o nome ele não tinha certeza, para ele o tio sempre fora o Tio Zé, mas se alguém lhe falasse que o nome do tio era Augusto, ele não estranharia.
     Agora enquanto comprava flores na entrada do cemitério, sentia um aperto no peito por nunca ter se aproximado do tio.
     - Talvez se eu tivesse trocado algumas palavras com ele, para saber quem ele era e qual era sua história, eu pudesse neste momento derramar algumas lágrimas.
     Mas ele não podia. Olhando para o caixão a única coisa que sentia era frustração por estar perdendo a festa pela qual ele esperara o mês inteiro. E junto à frustração foi brotando em seu peito um sentimento que fazia seus lábios tremeluzirem desejando sorrir, sentia-se aliviado. Não precisaria mais pedir a benção.

 D.M.Bontorin

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

QUEM SOFRE?


     Somos induzidos a chorar pelos males que sofremos, ou aqueles que as pessoas que conhecemos sofrem. Somos induzidos a chorar as lagrimas do mocinho e odiar o vilão que o fez sofrer. Mas e quando o herói e o vilão se misturam em um só, quando o filme traz os dois lados da história e você passa a ver através dos olhos do outro, quem deve sofrer?
     Talvez você nunca se tenha feito essa pergunta, nunca tenha assistido a um filme, lido um livro ou tenha presenciado qualquer situação em que os dois lados se apresentem. Não se culpe.Você não é o único.
     Mesmo aqueles que já presenciaram os dois lados de uma história, que já sentiram a dor do vilão, que já viram escorrer as lágrimas de seu inimigo e se perguntaram pelo que ele estava chorando, podem nunca terem visto os dois lados da história.
     Acho que faz parte de nossa essência quanto ser. Escolher um lado para o qual brandir nossas espadas. Mesmo que no meio da batalha mudemos de posição e o antes inimigo torne-se aliado, mesmo até então estando ao lado do outro e sabendo os motivos pelos quais lutavam e a razão pela qual derramavam suas lágrimas, mesmo assim, você não sentira pena. Não abaixará sua espada. Apenas usará as informações que conseguiu durante sua estada no lado inimigo para ajudar seu lado, o lado correto, a atingir a vitória.
     Mas, o que ocorreria se não tivesse que lutar? Se você fosse apenas um espectador, um leitor, deus? Se pudesse virar as páginas e ver os atos dos dois lados, suas lágrimas, seus erros, o que eles tem de melhor e de pior, o que você faria? O que faríamos? Escolheríamos um lado ou esperaríamos que ambos esquecessem tudo que ocorreu e perdoassem um ao outro? Que esquecessem os companheiros mortos em batalha, a traição, as palavras rudes, todo o sofrimento causado durante todo o filme, todo o livro, durante toda a história da humanidade e apenas apertassem as mãos dizendo que a historia começaria a partir de então com todos os males esquecidos, enterrados no passado?
     Provavelmente se a historia terminasse assim reclamaríamos e diríamos que a historia era boa, mas o final deixou a desejar. Pois ninguém perdoa tão fácil, ninguém é tão bom a ponto de esquecer. Mas o autor defenderia sua obra dizendo que nós conhecemos os dois lados, nós gostamos dos dois personagens, então nós deveríamos ficar felizes que ambos terminem a história com vida. Ao que responderíamos que sim nós conhecemos os dois lados, e sim, nós gostamos dos dois personagens, mas eles não os conhecem e na vida real nós também não conhecemos e nunca vamos conhecer os dois lados da história. Por isso queremos ver o mocinho vencer, mesmo que não seja o nosso mocinho. E por essa razão sempre haverá guerras, sempre haverá aquele que diz que se o outro não seguir sua fé ira para o inferno, sempre haverá desigualdade, dor. Espere. Sempre é uma palavra deveras forte, talvez fosse melhor eu substituí-la por: enquanto o ser humano habitar a terra.