- Será que devo levar flores ou seria melhor comprar velas ou ainda lenços de papel? - Perguntava-se em um monólogo silencioso.
Conforme se aproximava do cemitério Felipe encurvava ainda mais o corpo e arrastava os pés de forma mais sonora. Agia dessa forma pois pensava ser apropriado à ocasião. Seu tio havia morrido. Mas na verdade, em seu íntimo, não entendia o motivo para cultuar a morte.
Lembrava-se do tio sentado em sua cadeira com a mão pendida balançando, como se fosse instituída de vida própria. Muitas vezes pegara-se pensando se ele estaria vivo realmente.
Nunca trocara mais que uma ou duas palavras com o tio. Pedia a benção. Sua família era cristã e mesmo que ele não fosse não havia motivos para discutir algo que eles nunca aceitariam. Então, pedia a benção e o tio respondia “Deus que te abençoe” e pronto, o tio era esquecido, tornava-se parte da mobília. Nunca trocara um abraço, um sorriso, uma palavra de carinho afeto ou intimidade com ele.
Felipe nem mesmo sabia coisas básicas sobre seu tio. Não sabia quantos anos tinha, nem se cursara a escola ou se preferia sorvete de chocolate ao de morango. Até mesmo o nome ele não tinha certeza, para ele o tio sempre fora o Tio Zé, mas se alguém lhe falasse que o nome do tio era Augusto, ele não estranharia.
Agora enquanto comprava flores na entrada do cemitério, sentia um aperto no peito por nunca ter se aproximado do tio.
- Talvez se eu tivesse trocado algumas palavras com ele, para saber quem ele era e qual era sua história, eu pudesse neste momento derramar algumas lágrimas.
Mas ele não podia. Olhando para o caixão a única coisa que sentia era frustração por estar perdendo a festa pela qual ele esperara o mês inteiro. E junto à frustração foi brotando em seu peito um sentimento que fazia seus lábios tremeluzirem desejando sorrir, sentia-se aliviado. Não precisaria mais pedir a benção.
D.M.Bontorin
D.M.Bontorin